domingo, 15 de janeiro de 2012

Querida Queridinha

Dali ao último suspiro faltou pouco. Já não cantava, já não balançava a cabecinha, e os olhinhos de pássaro ficavam mais fechados que abertos, fracos, estava fraca. Até parecer doente, faltou pouco, calara, parara. Precisava de descanso e sabia, nós suspeitávamos. Estava velha e não sabia, nós suspeitávamos. Foram lá tentar alguma animação, ela ralhou uma vez e calou, tentaram que dançasse como de costume, mexendo a cabecinha pra cima e pra baixo, ela olhava resignada: precisava descansar. Chamaram seu preferido da casa, o que lhe arrancava as maiores cantorias e algazarras. Nenhum pio. Mas aproximou seu corpinho de pássaro do rosto do homem, o pai da família, olhou, olhou, olhou. Tornou a fechar os olhinhos, no outro canto do poleiro, precisava descansar. Compraram jiló, que ela adorava. Encheram-lhe a gaiola, tentaram uma festa, uns assobios. Ela cutucou com o bico, comeu umas sementes, muito pouco. Fechou os olhinhos, deixou os tantos de jiló lá, nem cantou, precisava descansar. O dia escureceu, fez-se noite. O pássaro no canto do poleiro precisava descansar e, se não tivesse passado o dia assim, achariam normal. No outro dia, ela já partira, deixou-se no fundo da gaiola e alçou vôo para além do céu. A mãe chorou, também as filhas. Prepararam o que havia de ser preparado, ocorreu sob uma árvore, jogaram algum alpiste, depositaram ali uma flor, marcaram o lugar com uma pedra. A gaiola vazia era só silêncio, Queridinha voou.



8/1/2012