sábado, 23 de março de 2013

Querena

Tudo o que sei está refletido nesses meus olhos entregues. Velejantes, meus olhos são banhados pelas tuas marés. Marejantes, são acariciados pela tua brisa. Não vês? Não veem? Meus olhos dizem tudo, entregues. Meus olhos seguem tua direção, vela-guia desses ventos insones. Entregues, meus olhos solitários vagueiam por um mar sem fim, à tua espreita. Mas não vês. Não veem. Melhor assim. Navegam solitários e secretos, os meus olhos, quase a salvos de tudo.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Bagatela

Eu não tenho nada pra ti, nada.
Só esse amor imenso cá
dentro.
E um medo danado
dele
              não te servir.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Abrupto

Bruno, antes de sair, deixou um bilhete. Não tinha um amor, diziam, Bruno não sabia chorar, amar muito menos. Era o que diziam. Mas escreveu um bilhete sem remetente nem destinatário e deixou sobre a mesa da sala. Calçou seus chinelos, iria à praia, não se sabe, talvez à padaria. Bruno passou uma mão pelos cabelos e outra nas chaves e voltou à mesa do bilhete. Releu. Amassou o papel branco rabiscado, colocou no bolso, não valia à pena. Daí continuou seu dia, saiu de chinelos e semi penteado, talvez tenha ido à praia, talvez só à padaria ou a nenhuma delas, e o bilhete em seu bolso enquanto andava por aí. Então alguém o achou pelo chão, abaixou-se para pegar e leu. Achou vulgar, tolo, mas guardou no próprio bolso, depois o colocou na mesa de sua própria sala. Não demorou muito para que um outro que lá habitasse lesse, não se sabe o que lhe pareceu, se bom ou ruim, só que no fim da leitura deu um sorriso de canto, que poderia ser de concordância, talvez. Ou não:

“Daí alguém pode imaginar que eu esteja me iludindo. Talvez eu esteja. E ainda podem dizer que eu só sei amar assim, de súbito, logo, enciumado, quase obsessivo, que não sei amar. Talvez tenham razão. O meu amor chega abrupto com o pé na porta, senta, cruza os braços, fecha a cara. Esse é o meu amor, o meu amor só soube amar assim toda a vida. Fecha a cara de braços cruzados, coitado, de ciúme e medo, esperando um afago pra poder sorrir. O meu amor é um tolo mesmo, ama desesperado e quieto, choroso de saudade e fingindo sempre não existir, que é simpatia passageira”

sexta-feira, 8 de março de 2013

O auge do meu dia

Tem aquela hora que eu paro um pouco só pra sentir saudade. Se eu estiver sozinha, choro um pouquinho. Se não, apenas faço silêncio, olho pra outro canto. Nessas horas, que costumam ser quando vem vindo o fim da tarde, e o vento é fresco se se está à sombra, eu paro num canto só pra sentir sua saudade. Lembro daquele dia, de um outro, talvez de um que esteja bem lá atrás. E penso na distância, em como seria se estivesse aqui. Imagino um reencontro querendo que seja perfeito - nessa parte do pensamento tenho medo, porque quero que seja perfeito, e quase nunca é. Imagino que nos sentamos num café ao ar livre para ler e conversar, comer uma boa torta, tomar um café com creme. E a certa altura fazer silêncio para escrever em nossos cadernos. Depois sair para caminhar e conversar mais um pouco, sentindo a brisa, tendo as estrelas logo acima. Talvez até sentássemos n'algum banco, ou não, tanto faria. Mas estaria comigo, apenas comigo, bastaria.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Nuvem

Ela tem dias de chorar sem ninguém saber porquê. De mansinho ela sai, baixa os olhos, e quietinha chora como se não estivesse chorando. Se alguém por acaso vê, se por acaso percebem, ela não diz nada, ela diz que é mesmo nada. Pede que se afastem, que não façam perguntas, que daqui a pouco já passa.  Seca os olhos, se recompõe, e fica até difícil perceber o que passou. Então ela sorri, diz que acabou, que já até esqueceu. É até bonito.