tem um leão
chorando
no meu
armário
faz dez dias
ele está lá
não sei como
veio nem por qual motivo
mas ele fica
mugindo baixinho
um som doído
doído
como se lhe
tivessem arrancado
um pedaço
um pedaço do
corpo,
um tufo de
juba,
uma unha, a
carne do peito
ele faz um
solo suave
todo
encolhido
apertado no
meu armário
quase não se
move
(olhei pela
fresta)
no mínimo
lugar possível
lambendo por
vezes o pelo
e depois
lembrando
quando vê a
própria pata
de um pedaço
que não é dele
mas que lhe
falta.
a murmurar
seu lamento
na cara de
fera uma solidão desamparada
não me
percebe
mas
reivindico os seus sentidos de felino:
que há
contigo, leão
que razão
leva o seu lamento?
ele então
ergue o olhar
e posso ver
a razão
(era a sem
razão do sentimento)
ele me diz
“é pelo
tempo, o tempo infinito que separamos um para o outro lá trás,
a mulher que
amei e eu,
o tempo
infinito que agora temos para sermos dois em vez de um
nessa selva
o tempo que
ela diz já não poder mais
me dar
e eu não sei
o que fazer de mim
e de tanto
tempo
desabando
sobre minha cabeça.”
e depois de
um breve silêncio, ressentido:
“nem de todas essas feras apaziguadas
pelo amor
que andam
pela rua e se multiplicam
exibindo
vaidosas diante de minhas retinas um confortável
par.”
deixei lá no
meu armário o leão,
grunhindo
discreto e chorando baixinho
sua
melancolia
(o fim, a
saudade e a falta de coragem).