quarta-feira, 9 de setembro de 2015

ai, uma saudade

As saudades que sinto de ti 
não doem como antes,
serenaram.
Chegam invisíveis,
circulam, instalam-se em meu corpo.
Alojam-se em alguma
parte de meu coração,
migram ao meu cérebro-pensamento
(quando aqui, do dormente coração já transbordaram).
De início ela, 
a saudade,
é espanada e o pensamento
se distrai por não crê-la.
Esta, resignada e sem escolhas,
insiste, apenas  –
seu caráter não permite que se vá
sem persistências.
Põe-se de novo em correnteza e volve ao coração,
Que de sístole a devolve ao topo do corpo.
Os olhos então atinam em piscadelas,
como constrangidos pela sensação de serem
observados.
O pensamento espreita
imagem do ser amado
E suspira discreto
“ai, é uma saudade”.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Formigas

Íamos caminhando a passos pequenos,
passos de formiga.
Os meus, duros, de calcanhares agudos.
Os teus, silenciosos, de almofada.
Íamos nós, pisando em areia fina e antiga
para nós desconhecida.
Sempre caminhando,
sempre e amiúde, íamos.
O terreno indicava o início,
nós não fazíamos ideia.
Acreditávamos já estar no fim
quando
demos por nossos pés,
íamos subindo.
A areia agora em grãos pedregulhosos,
caminhávamos a passos miúdos
num aclive geográfico.
A subida ganhou contorno
de exaustiva escalada.
Nossos passos não aceleravam os pés
lentos,
que queriam correr,
tentar alcançar solo menos sôfrego
e doído.
Por que prosseguir se
nos causava tamanho sofrimento?
Tu e eu íamos subindo
a crer estarmos próximos do fim.
Caminhando,
passos sempre lentos,
nossos corpos envergando
as colunas jovens,
atirando as cabeças para frente.
“Por que não corres?”,
Gritei, tinha raiva, não entendia nada.
“Por que não te afastas?”,
Tua voz chegou baixa e firme,
não estavas cansada.
Então subimos, caminhávamos, o passo sempre o mesmo
A crença ora no fim, ora no infinito.
Finalmente chegamos a um topo.
Para nossa surpresa
principiou ali solo suave de gramínea
fresca.
Nossos pulmões se alargaram
involuntariamente.
Tu seguraste-me as mãos num instante gracioso,
Eu apertei as tuas de volta, cheia de alegria.
Começamos a correr,
Por vezes nossos pés saíam do chão,
tocavam o ar,
às vezes ríamos muito.
Depois, passavam-se horas
de silêncio apaziguador.
Às vezes cerrávamos o cenho,
nos afastávamos.
Aprendemos a alternar o jeito da caminhada,
íamos assim
E já mais adiante percebemos
(e nos alegramos):
Íamos assim.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

poema de um dia de frio

que nem passarinhos
nós num dia de frio
acocoramo-nos em nosso poleiro
bem de pertinho.

teu rosto quentinho,
a cara colorida de um passarinho,
acolhe tão próximo
o meu.

é quarto dia de inverno.
todos os passarinhos avolumam suas penas.
vão e vem,
anônimos.

em banquinhos nos acomodamos
sob a copa de grande guarda-chuva.
teus braços, pescoço, bochechas me aquecem.
sua voz macia é canto baixinho
e me aquece também.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Mito, ou Fuga

Saudade dos poemas
que eu escrevia nos tempos de outrora.
Saudade dos versos frescos e cheios
Que já fiz em tempos de outrora.
Hoje estou vencida e já não os tenho.
Ressentida, com perdas irrevogáveis,
estou pálida,
faz tempo que não vou à praia.
Jogo charme para três ou quatro, os ganho todos,
E me retiro do aposento.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Amor pertinho

Compreende, mas
não aceita; como poderia o
amor
já estar assim encaminhado?
Por isso deve ser o peso
tenso atrás da
cabeça.
É que amor é
escolha; primeiro
um imperativo
que depois acertado
num fluxo
torna-se escolha.
Arredar, seguir, nadar ou ir para
a beira e depois
pular
fora e sacordir-se; é escolha.
Já tão cedo o amor
escolheu estar
pertinho e eu ouso perguntar
“mas será?”.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O homem sem letreiros

Acima de sua cabeça o céu é vasto
sem telhas
O ritmo de seus pensamentos
É o das nuvens.
Homem sem letreiro
nem relógio digital
é visto da estrada pousando o queixo
sob as mãos ancoradas na enxada.
Não evoquei cena, eu primeiro vi.

Deve ter uma casinha azul, uma mulher, apenas dois filhos
E amar para ele é defender.
Tem TV e fala de acontecimentos recentes
mas há espaço, há espaço em tudo,
tanto que as vezes é como esquecer-se.
Enquanto cremos amar, ele defende
firme, calmo, certeiro, simples
defende.
Que céus acima de sua cabeça, e que pensamentos terá?
Que vida de silêncio e cultivo.
Enquanto nos distraímos confusos, ele defende
e defenderá.

Que ares em seus pulmões, e quanto tempo, quanto tempo lhe cabe.
O homem sem letreiros nem escusas defende:
veste-se, come, é, caminha, tem prazer, ri, dorme, desperta
Isento de persuasão.
Anda por entre as vaquinhas, tão natural.
Todas as coisas cada uma em seu tempo
ouvindo os movimentos
particulares do mundo.
O homem sem letreiros é lúcido,
para e escuta.