Antes de te avistar, avistei teu
reino. Tão, tão distante me parecia, intangível sob o céu azul. Me aprumei, tornei-me
cúmplice da brisa que o preenchia, segui. “Ela está aí se o reino a guarda”,
pensei. Passei tempos a rodear teus encalços, teus giros, teus esconderijos. E
finalmente pus-me de pé ao teu lado. Que suspiro, que cena, que encruzilhada. Incapaz
de arredar, prossegui. Tu, em teu próprio reino, acolhia este cavalheiro, vindo
a galope, triste, a esperança a bater no peito, o sobressalto à tua aparição.
Incansável, quase festejante, eu acompanhava-te por nossos arredores. Se não
estavas, eu perguntava por ti. Estando, eu a retinha o máximo de que era capaz.
Ah! eu renunciei aos outros, eu reneguei às outras vozes para estar somente
contigo e escutar apenas o que dizias - não foi uma escolha, era um imperativo.
Se, por acaso, um outro viesse a ti, eu me calava em meu canto, a observar teu
sorriso radioso que não era para mim. As vezes eu esperava-te voltar, as vezes
dava as costas e ia-me, incapaz de maior tolerância.
Quase enraivecido, eu andava para
longe, decidido: me dedicarei menos a ela, serei menos entusiasta dela, me
repartirei aos outros e logo ela já não me tomará tanto, e logo eu serei
mais... livre. Mas era ouvir-te chamar para o meu ímpeto mudar de figura. Eu
olhava aqueles teus olhos de negro encanto, aquela tua boca pronunciada, teu
sorriso luminoso, teus cabelos negros, soltos, tua pele morena... Eu queria-te
por perto e tanto, a raiva que eu sentia caía lá para o fundo de mim e, momentaneamente,
eu me perdia dela, porque havia encontrado a tua luz.
Passado um tempo, eu já não sabia
reconhecer o que tínhamos. Duvidava, precisava que provasses, que me aprovasses,
eu precisava que dissesses constantemente, e se repetisse. Eu estava absorvido
pelo medo de perder-te. Isto era tudo. Calado. O silêncio quase sufocou o meu
amor. Andei perdido por um tempo. Vivia dubiamente na fugidia busca de ti: ao
encontrar-te, eu precisava me afastar; afastado, eu só te clamava. Eras a
mesma, mas eu não conseguia ver.
Passei um longo intervalo
precisando dizer-te muitas coisas. Teu reino estava mais distante do que nunca.
Passei um longo intervalo em silêncio porque o que eu queria dizer não me saía.
Decidi que bastava do afastamento, que tanto mais eu me impedia dos teus
encontros, mais viva te tornava em minha mente. Baixei a guarda, exceto pelo
silêncio que não arredava, e me aproximei. Tornei a andar ao lado teu, tornei a
te encarar nos olhos e de perto. Embora aquele silêncio não me saísse, eu te
acompanhava. Ficamos muito a sós num dia, mútuos. Mesmo em silêncio, me bastavas.
Ali eu soube que queria falar, que eu saberia dizer. Anunciei que o faria e por
um tempo ficamos à espera. Eu procurava as palavras, eu festejava
silenciosamente porque finalmente diria. Tu me observavas. Eu observava o teto
e meus próprios pensamentos. Abri a boca e disse quase tudo: o medo tanto de
perder-te, que eu te gostava muito. O meu... Ciúme. Tu me escutando, quieta,
como se não estivesse ali. Depois que eu disse quase tudo, pegaste minhas mãos.
Estudou-as como se delas pudesse surgir o que ainda não fora dito. Disseste que
gostavas delas, das minhas mãos, tais como eram. Que deixava pra eles, os
outros, o que restava de si, e que eram minhas as tuas atenções. Eu ouvi-te, na
hora eu soube, eu acreditei, fui às alturas e voltei. Ficamos com as mãos
unidas em silêncio. Eu sabia, tu sabias. Nos pertencíamos.
Depois daquele dia olhávamo-nos
diferente. Com mais atenção, e também com certo constrangimento, talvez um
pouco mais de respeito. E uma afeição envergonhada. Eu fora descoberto – por ti.
Parecíamos encabulados disto. Eu te sabia, nada me abalaria. Engano. Aos poucos
retomei meu silêncio e minha insegurança. Tu pareceste retomar a intrigante
indiferença. Eu já não sabia de ti, e me desvencilhava o quanto podia. Já não parecias
tão minha. Céus. Aquilo nunca teria fim? Aquele silêncio? Aquela dúvida? Céus,
isto não terá fim? Ainda agora eu sinto uma saudade tremenda de ti, e um medo
tremendo de terem te tomado de mim. Parece que estou fadado a isto. Peço que
perdoe a nós: eu, meu silêncio, meu amor desordenado. Desde que avistei teu
reino e te alcancei, tudo ganhou um ar renovado, mais doce e perfumado, mais
intrigante e bonito. E quando me afasto, resta a ausência, e nesta ausência o
que há é a falta. Uma falta que
movimenta e paralisa os dias conforme intensifica ou parece amenizar-se, e
reveste as horas todas dum cinza rosado e fluido, etérea coisa doce e dolorosa,
como a lembrança de ti.