sábado, 21 de maio de 2011

Antiga Musa

A antiga Musa recolheu o encanto para si e plácida se foi. O baque da porta fechando foi mudo, nada se ouviu em sua partida e a brisa foi abrigo. Ninguém jamais ousaria ditar seu nome ou cogitar sua presença. A Musa foi-se e o que estava feito estava.
Ela tinha aspectos finos que qualquer um poderia pegar e criar para si o que dela achasse mais conveniente. Tinha esse poder, sem saber, ela tinha tal poder – o que nela fosse recriado seria puro e mais uma faceta sua, verdade e ilusão, seria motivo de alegria, orgulho e inspiração. Seria justa fantasia.
As vezes, ela era calmaria, brisa, solidão que queria estar só. As vezes colo, aconchego, calor. Outras, ela parecia ser toda luz, toda sorrisos, toda toda.
Ela era mansa, tinha a fala aveludada, a voz entre o rouco e o doce. Uma voz que buscava para as manhas ensolaradas, emoldurava as tardes preguiçosas e embalava as noites quietas.
O nome da musa é aprazível e suave, tem sabor do que se quer sentir, e dizê-lo é evocar sua presença sem ter. O nome guarda a presença e dá vontade de buscar-lhe a um encontro, e reviver seus gestos, seus dengos, seus tons, seus sobressaltos.
Um dia, ao caminhar, a musa soltara os cabelos. Não houve um que não quisesse saber seu nome, que não olhasse, que não ansiasse amimá-la. Pelo caminho, ela ia desatenta, nem os gracejos ouvia. Tão encantadora. Que beleza mais distraída a sua. A pele lisa e sem pinturas, as vestes leves, o colo nu. Vivia a tenra idade, a inefável idade. Seu modesto feitio afastava indícios de presunção – não era de vaidades ou afetações.
A Musa foi sem ao menos saber que é tudo que pode inspirar os poetas. Seguiu seu caminho deixando só um rastro, que mais parecia um feixe de luz.

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