sábado, 2 de julho de 2011

Feito um artesão

Perfeição. Talhava, esculpia, adornava, afastava, olhava, voltava e ajeitava. Procurava a perfeição. Não queria fios soltos, linhas tortas, botões fora da casa. Adornava, adornava, adornava. Quanto afinco, tanto cuidado. Pisava devagar, usava movimentos leves, feições suaves, voz baixa. Era tanto tato, tanto tato, tanto. Tato. Pegava devagar, não queria arranhar, tirar o pleno valor. Que tinha até medo de tocar. Ensinaram-lhe a não mexer em nada, e assim aprendera ao pé da letra. E se manchasse? E se quebrasse? E se machucasse? E se...? Quem saberia. Era melhor que ficasse tudo intacto. Ora conduzia, ora deixava-se conduzir – pelo menos a culpa não seria sua, caso vacilassem. Evitava gritos, tumulto, gente. Evitava tanto gente. Evitava falar demais, sorrir demais, calar demais, emburrar demais. Medindo-se, procurava o ponto médio. Era pra não se exceder. E quando vinha gente pra perto, e não podia evitar, não sabia mais nada da perfeição. Tudo o que tinha era tão torto, tão desastrado, tão simples e desarranjado. Todo o trabalha fora em vão, toda a árdua talha, ficava sem nada. Tudo o que tinha era a espontaneidade. Era tudo o que precisaria ter ao alcance das mãos. Espontaneidade: como tê-la, como tê-la? Pensava em desespero. Coçava o nariz, desabotoava um botão, puxava as mangas da camisa, obrigava os olhos a aquietarem-se, colocava as mãos... Onde pôr essas mãos? Colocava as mãos ora no bolso, ora cruzadas, ora sobre as pernas. Então, era tudo o que tinha de espontâneo para ser usado. Pose. Tanta pose. Já não sabia nada de ser natural. A perfeição esvaziara-lhe o jeito. Mas ainda enchia o peito dum orgulho tolo, duma vontade de ser especial, de ter qualquer atenção. Era um tal de parecer assim, um tal de parecer assado. Perdera-se. Os olhos estavam sempre ou endurecidos, ou vacilantes. Queria ter alguma distinção, procurava por aí, em alguém na rua, ou da TV. No homem de fala arrastada do tal filme, na moça cheia de graça que passava na outra calçada. Queria a perfeição, e por dentro: tudo intacto.

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