sábado, 23 de junho de 2012

Jorge

A hora já não era a mesma, perdera aquela urgência de antes, o inadiável ficou para nunca mais.  Jorge abaixou-se para tirar os sapatos e as meias. Estirou-se no sofá. Escorregou por ele. Fechou os olhos. Daí passaram-se dias, meses, anos. A vida deixou de ter importância, a vida deixara de ser, Jorge era um homem e o sofá o que importava.

Abriu os olhos, tudo era igual, as coisas as mesmas de trinta segundos atrás, quando fechara os olhos para esquecer que estava ali. Não havia se passado nem um minuto, e Jorge já sentia o peso do mundo dentro de si e as rugas cavando o entorno de seus opacos olhos.  O tempo estava escuro, o relógio estava parado.

Jorge não sabia das horas, mas não era cedo, e a urgência escapara-lhe pelas mãos. Por onde havia andado, com quem haveria de ter estado? Não tinha lembranças, a memória era turva, viver parecia que não lhe acontecera. Jorge queria esquecer. Esquecer o quê? A vida que não fora, os amigos que não tivera, os dias que passaram iguais, ele que estava sempre o mesmo, sempre o Jorge, aquele Jorge, o irremediável Jorge, o que sempre estaria ali e do mesmo jeito, não importando quando fosse.  Jorge perdera a urgência, isso já está claro. Mas será que algum dia teve pressa, será que algum dia teve por quê?

Jorge estava cansado, a barba já não era feita há dias, os olhos impregnados pela fadiga. Jorge precisava fugir. De onde, para onde, de quê? Tinha medo. Então fechou os olhos. Preciso fugir, pensou. Mas sentia tanto medo que começou a se encolher no sofá, e colocou os braços sobre a cabeça, precisava se proteger (de quê mesmo?). Então começou a chorar, chorar, chorar. Levantou, abriu os olhos. Quanto tempo sucedera? Não sabia, talvez dez minutos, três horas, um dia inteiro. Jorge queria fugir, mas sentou-se no chão. Ficou ali, as horas passaram, Jorge levantou-se e parou de chorar quando o sol ameaçou com sua luz. Daí tomou banho e vestiu-se, engoliu um biscoito, foi trabalhar. Deixava-se levar. Não sabia para onde correr de tanto vazio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário