sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Antiga Historieta

Antes de te avistar, avistei teu reino. Tão, tão distante me parecia, intangível sob o céu azul. Me aprumei, tornei-me cúmplice da brisa que o preenchia, segui. “Ela está aí se o reino a guarda”, pensei. Passei tempos a rodear teus encalços, teus giros, teus esconderijos. E finalmente pus-me de pé ao teu lado. Que suspiro, que cena, que encruzilhada. Incapaz de arredar, prossegui. Tu, em teu próprio reino, acolhia este cavalheiro, vindo a galope, triste, a esperança a bater no peito, o sobressalto à tua aparição. Incansável, quase festejante, eu acompanhava-te por nossos arredores. Se não estavas, eu perguntava por ti. Estando, eu a retinha o máximo de que era capaz. Ah! eu renunciei aos outros, eu reneguei às outras vozes para estar somente contigo e escutar apenas o que dizias - não foi uma escolha, era um imperativo. Se, por acaso, um outro viesse a ti, eu me calava em meu canto, a observar teu sorriso radioso que não era para mim. As vezes eu esperava-te voltar, as vezes dava as costas e ia-me, incapaz de maior tolerância.

Quase enraivecido, eu andava para longe, decidido: me dedicarei menos a ela, serei menos entusiasta dela, me repartirei aos outros e logo ela já não me tomará tanto, e logo eu serei mais... livre. Mas era ouvir-te chamar para o meu ímpeto mudar de figura. Eu olhava aqueles teus olhos de negro encanto, aquela tua boca pronunciada, teu sorriso luminoso, teus cabelos negros, soltos, tua pele morena... Eu queria-te por perto e tanto, a raiva que eu sentia caía lá para o fundo de mim e, momentaneamente, eu me perdia dela, porque havia encontrado a tua luz.

Passado um tempo, eu já não sabia reconhecer o que tínhamos. Duvidava, precisava que provasses, que me aprovasses, eu precisava que dissesses constantemente, e se repetisse. Eu estava absorvido pelo medo de perder-te. Isto era tudo. Calado. O silêncio quase sufocou o meu amor. Andei perdido por um tempo. Vivia dubiamente na fugidia busca de ti: ao encontrar-te, eu precisava me afastar; afastado, eu só te clamava. Eras a mesma, mas eu não conseguia ver.

Passei um longo intervalo precisando dizer-te muitas coisas. Teu reino estava mais distante do que nunca. Passei um longo intervalo em silêncio porque o que eu queria dizer não me saía. Decidi que bastava do afastamento, que tanto mais eu me impedia dos teus encontros, mais viva te tornava em minha mente. Baixei a guarda, exceto pelo silêncio que não arredava, e me aproximei. Tornei a andar ao lado teu, tornei a te encarar nos olhos e de perto. Embora aquele silêncio não me saísse, eu te acompanhava. Ficamos muito a sós num dia, mútuos. Mesmo em silêncio, me bastavas. Ali eu soube que queria falar, que eu saberia dizer. Anunciei que o faria e por um tempo ficamos à espera. Eu procurava as palavras, eu festejava silenciosamente porque finalmente diria. Tu me observavas. Eu observava o teto e meus próprios pensamentos. Abri a boca e disse quase tudo: o medo tanto de perder-te, que eu te gostava muito. O meu... Ciúme. Tu me escutando, quieta, como se não estivesse ali. Depois que eu disse quase tudo, pegaste minhas mãos. Estudou-as como se delas pudesse surgir o que ainda não fora dito. Disseste que gostavas delas, das minhas mãos, tais como eram. Que deixava pra eles, os outros, o que restava de si, e que eram minhas as tuas atenções. Eu ouvi-te, na hora eu soube, eu acreditei, fui às alturas e voltei. Ficamos com as mãos unidas em silêncio. Eu sabia, tu sabias. Nos pertencíamos.


Depois daquele dia olhávamo-nos diferente. Com mais atenção, e também com certo constrangimento, talvez um pouco mais de respeito. E uma afeição envergonhada. Eu fora descoberto – por ti. Parecíamos encabulados disto. Eu te sabia, nada me abalaria. Engano. Aos poucos retomei meu silêncio e minha insegurança. Tu pareceste retomar a intrigante indiferença. Eu já não sabia de ti, e me desvencilhava o quanto podia. Já não parecias tão minha. Céus. Aquilo nunca teria fim? Aquele silêncio? Aquela dúvida? Céus, isto não terá fim? Ainda agora eu sinto uma saudade tremenda de ti, e um medo tremendo de terem te tomado de mim. Parece que estou fadado a isto. Peço que perdoe a nós: eu, meu silêncio, meu amor desordenado. Desde que avistei teu reino e te alcancei, tudo ganhou um ar renovado, mais doce e perfumado, mais intrigante e bonito. E quando me afasto, resta a ausência, e nesta ausência o que há é a falta. Uma falta que movimenta e paralisa os dias conforme intensifica ou parece amenizar-se, e reveste as horas todas dum cinza rosado e fluido, etérea coisa doce e dolorosa, como a lembrança de ti.

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